sábado, 27 de março de 2010

OLIVEIRA GUERRA RELEMBRADO

Em 1960 Oliveira Guerra trouxe ao Porto José Gonzalez Collado a fim de preparar uma exposição deste já insigne artista plástico. A morte de Guerra e a ida de Collado para Madrid fez desvanecer a ideia da exposição. Em 2008, Collado contactou a Galeria Vieira Portuense, mais saudoso de Guerra do que da ideia da exposição. Neste foto, na Galeria Vieira Portuense está José Collado (o segundo da esquerda, coma filha de Guerra (a Senhora de chapéu).


Torna-se para mim um pouco difícil emitir opinião acerca de sonetos, pois a métrica e a rima impedem, por vezes, a liberdade do poeta, de jogar com as palavras e sentimentos.
Deixo, no entanto, a nota, que foi uma agradável surpresa ler a Antologia de sonetos do poeta Manuel de Oliveira Guerra.
E o que mais me surpreendeu foi o rigor com que descreve tipos da 1ª metade do século XX, o quotidiano difícil vivido por trabalhadores, as doenças de época inclusive a tuberculose, os fracos salários, o desemprego, a vida farta do clero, a hipocrisia da sua fé, a soberba dos ricos, o sofrimento dos pobres.

Dos Curas e suas atitudes diz ele:
“Olha, mulher, eu já nem sei se sinto
a caridade, que Jesus um dia
pregou por este mundo… (o vinho tinto
que me deste hoje, é muito bom, Maria)”



“O senhor padre chega sorridente
acompanhado pelo sacristão
que traz a cruz de Deus solenemente
e a dá a beijar com muita devoção”

e enquanto fala, sério, compungido
“E o senhor Padre fica comovido
A libra que há na salva – o seu folar
enquanto lhes falava (dando um jeito)
à cruz de pedraria que em seu jeito
Fulgia com rebrilho nunca visto”

“e; vai muitas vezes, findo o seu serão
forjando absorto, um cândido sermão
vai, sem pensar, pró quarto de Maria”
“Que desde há muito estava amancebado
de casa e pucarinho, cum … coirão.
e àquele que pratica tal pecado
a Santa Igreja nega a absolvição”

Fala na sua poesia das vocações forçadas. Na época a miséria era tanta que os pais induziam os filhos a tornar-se padres.
“ – Senhor Abade: “Peço-lhe a fineza
de me dizer se faço bem mandando
o meu rapaz para padre … A vida pesa
e no futuro dele vou pensando”

“Por compaixão dizei-me o que farei
para salvar! Por compaixão dizei!...
- E quantas missas podes pagar?

Dos operários diz:

Gastaram toda a féria na merenda
- um farnel farto de galinha assada
e vinho do melhor, do da Bairrada
ainda ficaram a dever na venda”

Critica na sua obra atitudes da burguesia e seus criados!

“E um servo de libré lustrosa e fina
pra gáudio do menino e de menina
enxota a pontapé e bofetão
um garotete que “malandro ousara”
para espreitar aquela vida cara
meter o nariz sujo no portão”

“E toda a gente, triste retirou
pensando que quem tanto cá deixou    
está no céu, por certo, descansado”                                

“Quando tu passas de olhos repisados
pelo passeio longo do Rossio
olham-te muito os dândis perfumados
que andam à espera que lhes morra um tio”

“E os indigentes levam, pressurosos
as dádivas dos ricos generosos
que compram deste modo a salvação”



Apresenta a nobreza falida

“Vem dos Cabrais, Soares Albergaria e
Coutos Lencastres, Magalhães e Serras
nada o seu sangue deve à burguesia
e muito menos a plebeus e a perras
Infelizmente agora empobrecido
anda por tascas procurando o olvido
com azeitonas, tinto e salpicão”

Mostra na sua poesia preocupações sociais
“é um crime, indigno, crede, de perdão
- Vós mandais vir os filhos e afinal
não tendes para lhes dar calor nem pão”

Nos seus poemas perpassa uma voz revolucionária, do contra

“Se sete desejo de que toda a gente
leve da vida negra um ar contente
de quem não conheceu nunca um calvário
é criminoso anelo sem razão
que deve conduzir-me a uma prisão
prendam-me já: sou revolucionário”

Critica ainda atitudes sociais:

“Eu vejo que ninguém de mim se abrira
senão para levar do que eu tiver
alguma coisa mesmo que eu não queira
porque de nada vale o meu querer”

Retrata com as suas palavras de poeta quadras quotidianas do inicio do séc. XX

“À feiticeira luz desta manhã
reboca o macho o carro bem pejado
com a hortaliça túrgida e louçã
que vem do campo e vai para o mercado”

“As lavadeiras batem com vigor

as roupas sujas sobre a pedra dura
e as roupas ganham, pouco a pouco, alvara
enquanto as águas vão tomando cor”

É, Manuel Guerra, além de intervencionista um homem que brinca liricamente com as palavras:

“daquela arquitectura irregular
que tem varandas cheias de luar
e cravos perfumando as cercanias”

“No meu lindo cantinho a marulhar
há uma levada pura de cristal
que desliza por entre um salgueiral,
correndo brandamente a soluçar”


“De quando em quando vibra e tremulina
um riso de criança ao pé do bar
e duma jarra tomba a chuva fina
de pétalas mais brancas que o luar”

Ficou-me de Manuel Guerra uma poesia que retrata o inicio do século XX com as suas discrepâncias sócias, a pobreza do operariado e dos agricultores, a hipocrisia dos Curas, a insensibilidade dos ricos, a doença terrível – a tuberculose, que dizimou milhares de portugueses, um país sem potencial porque não investia na educação e um poeta que sofria com toda esta situação e para que ficasse como prova registou sofridamente nos seus versos o retrato de um país pequeno.

Antonieta Silva

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